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sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Adeus, mundo!", José Saramago




«No fundo, não invento nada, sou apenas alguém que se limita a levantar uma pedra e a pôr à vista o que está por baixo. Não é minha culpa se de vez em quando me saem monstros». Podíamos começar este texto com milhares de citações de Saramago que ficarão eternizadas em estantes de todo o mundo, livros da escola e, sobretudo, na memória de todos aqueles que amaram (ou odiaram) o Nobel português.




Escolhemos uma do seu discurso aquando do Doutoramento Honoris Causa da Universidade Autónoma de Madrid para começar a contar a história de um ribatejano nascido na Azinhaga, a 16 de Novembro de 1922, filho de «camponeses sem terra», nas palavras do próprio.
Saramago nem sequer era o nome da família, só que na terra assim os chamavam porque aquela planta dava de comer aos pobres. Daí que o funcionário do Registo Civil, sem que ninguém assim o instruísse, o registou como José de Sousa Saramago.





Os «Saramago» mudaram-se para Lisboa em 1924, o pequeno Francisco morreu e a pobreza manteve-se. José, grande benfiquista, era um aluno exemplar, mas a falta de dinheiro obrigou-o a enveredar pelo ensino profissional de... serralheiro mecânico, onde, pasme-se, havia uma disciplina de Literatura.
Durante dois anos, as mãos do Nobel serviram apenas para reparar automóveis. À noite, Saramago passava horas na biblioteca de Lisboa, só para ler. Casou em 1944 com Ilda Reis, quando já trabalhava na Segurança Social. Três anos depois, veio ao mundo Violante, a sua única filha, no mesmo ano em que publicou o seu primeiro livro: «A Viúva», que a editora transformou em «Terra do Pecado».
Parou de escrever durante 19 anos, foi metalúrgico, produtor de uma editora, crítico literário, tradutor e editorialista de um jornal. Em 1966, regressou com «Os Poemas Possíveis» e, já no Diário de Lisboa, foi dando as suas «facadas» ao regime de Salazar. Em 1969 tornou-se militante do PCP e, mais tarde, o 25 de Abril trouxe-lhe a vontade de se tornar exclusivamente escritor.


Os anos 80 foram de grande produção - «Memorial do Convento», «O Ano da Morte de Ricardo Reis», «A Jangada de Pedra», entre outros -, mas foram também de muita paixão, pois Saramago casou com a jornalista espanhola Pilar del Río.
«O Evangelho segundo Jesus Cristo» trouxe-lhe um amargo de boca, com o Governo português a vetar o livro do prémio literário europeu, por considerar demasiado ofensivo para os católicos. Foi este o principal motivo para sua mudança para a ilha de Lanzarote, nas Canárias.
Em 1995 foi publicado «Ensaio sobre a Cegueira», que mais tarde encantou Hollywood, no mesmo ano em que recebeu o Prémio Camões. Mas o maior prémio estava reservado para 1998: José Saramago foi o primeiro e único Nobel da Literatura portuguesa.
O reconhecimento internacional - Saramago é lido em dezenas de línguas - deu-lhe a oportunidade de viajar pelo mundo a espalhar o seu génio. «As Intermitências da Morte» e «A Viagem do Elefante» destacaram-se no século XXI, mas foi o seu último livro, «Caim», que trouxe José Saramago novamente às bocas dos portugueses, para rejúbilo de ateus e agnósticos e raiva de católicos.
Quatro mil caracteres não chegam para enumerar a obra, os prémios, a consciência político-social de José Saramago. Fica a saudade do Nobel português e o debate sobre os temas para os quais nos quis alertar.
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A equipe do blog Conhecimento absoluto presta condolências a familia Saramago e a todos os seus leitores que estão de luto. O mestre lusitano partiu, mas suas idéias permanecerão irremediavelmente no infinito universal que permeamos.

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